Acompanhando diariamente os projetos que são notícia aqui no ArchDaily, é impossível passar despercebido o fato de que as casas com pátio estão em alta na arquitetura contemporânea. Como uma estratégia para dissimular os limites entre os espaços interiores e exteriores—seja incorporando paredes verdes, design biofílico ou pátios internos—as casas com pátios costumam ser muito comuns em países de clima quente e seco. Mas quando se trata de países do mundo árabe, esses espaços internos-externos são muito mais do que uma simples estratégia arquitetônica para promover a ventilação e a iluminação natural dos espaços interiores: o pátio é um elemento cultural e que transcende gerações. Neste artigo, exploraremos como a cultural dos povos árabes veio a influenciar a gênese das casas-pátio mais tradicionais no oriente médio e como suas características arquitetônicas únicas foram apropriadas por outros povos e em outros contextos ao redor do mundo.
Acredita-se que as casas pátio tenham surgido lá no início do terceiro milênio em uma terra chamada então de “Bilad al Sham”, um vasto território entre os rios Tigre e Eufrates. Povos nômades aqui se encontraram e se estabeleceram, armando suas tendas de forma a criar um espaço protegido em forma de pátio. Pouco a pouco, as tendas foram dando lugar a estruturas de pedra e tijolos, incorporando o pátio como uma característica fundamental da arquitetura árabe e islâmica, definida apenas por uma área fechada e coberta, mas pela área aberta que configura e distribui seus espaços e programas.
Além disso, é importante ressaltar que fatores climáticos, sociais e culturais contribuíram e muito para o surgimento desta importante tipologia arquitetônica. Os povos árabes, independentemente de seu lugar de origem, crença ou religião, valorizam muito a proximidade entre diferentes gerações de uma mesma família, as quais costumam conviver intensamente sobre um mesmo teto e junto a um mesmo jardim. Em muitos países, a união de uma família é um fator determinante do status social da mesma, sua honra e dignidade. É por isso que as famílias não se separam nunca, elas apenas crescem e jamais se dividem. A privacidade também tem uma grande influência na forma como o programa da casa árabe está organizado assim como elas se revelam através de seus espaços abertos e semiabertos. Somado a isso, um valor determinante no Islã, é que as famílias não devem se vangloriar dos bens que possuem, algo que finalmente repercute em um forte contraste entre o exterior e o interior.
Dito isso, é importante notar que em diferentes países desenvolveram-se distintas tipologias de casas-pátio, algumas mais ornamentadas, outras mais abertas e verdes—todas com organizações espaciais únicas. Ainda assim, há certos elementos que podemos considerar básicos em uma casa-pátio tradicional:
- Um nível subterrâneo
- Um nível térreo onde encontram-se os espaços de convívio (chamado de Al Salamlek)
- Um primeiro pavimento onde encontram-se os espaços privados (chamado de Al Haramlek)
Subsolo
Em condições climáticas extremas, seja no verão ou no inverno, os níveis subterrâneos geralmente se mantém mais estáveis em relação às grandes variações de temperatura e mantendo assim melhores condições de conforto em climas extremamente quentes ou frios. Pequenas aberturas permitem ventilar continuamente estes espaços além de favorecer o chamado efeito chaminé. Além disso, estes espaços servem como um lugar de congregação, depósito de mantimentos e também para acolher os muitos visitantes e famílias próximas.
Térreo
Uma vez no interior de uma casa-pátio tradicional, os visitantes são guiados através de um amplo corredor que marca a transição entre o exterior modesto e o interior ricamente ornamentado da maioria das casas-pátio. Isso porque quanto mais ornamentada e grandiosa pareça a casa, mais rica deve ser a família que nela habita. As portas externas costumam ser feitas em dois painéis de abrir e comumente são entalhadas em alto e baixo relevo além de contar com detalhes e elementos metálicos ornamentais. Exteriormente, as fachadas bastante simples são um mecanismo adotado para ocultar e dissimular espaços interiores amplos e exuberantes. O interior, por sua vez, é ricamente ornamentado com intrincados padrões geométricos e detalhes nas balaustradas, móveis requintados, azulejos e cornijas. O paisagismo também é uma característica fundamental das casas-pátio tradicionais. Muitas vezes encontramos aqui paredes verdes recobertas com jasmins e roseiras, pomares de frutas também são muito frequentes. Em termos programáticos, o térreo abriga o espaço de cozinha, os banheiros, serviços e área de acolhida e recepção de visitantes.
Geralmente o lado norte do pátio, onde a brisa fresca é mais abundante durante os meses quentes de verão, os moradores desfrutam de um espaço aberto-coberto chamado de Iwan. Visualmente, o Iwam é uma extensão do pátio, comumente elevada e cercada em três de seus quatro lados. Do lado oposto, isso é, junto ao lado sul, encontra-se o grande salão principal, utilizado para receber os visitantes durante os principais eventos celebrados em família. Na maioria das casas, este salão é geralmente o espaço mais decorado da casa e muito amiúde é coberto por uma cúpula ou clarabóia. Como elemento de transição entre esses dois espaços, os padrões de pisos são trabalhados de diferentes formas, como uma espécie de tapete ornamentado que guia os visitantes do salão para o espaço semi-aberto.
Primeiro Pavimento
Para acessar o primeiro pavimento, os moradores fazem uso de uma escada de madeira ou pedra localizada junto ao pátio. A organização espacial do primeiro pavimento depende muito do tamanho das famílias que residem na casa. No caso de famílias extensas, a casa é subdividida de forma a configurar pequenos apartamentos privativos. Em casos de famílias menores, nestas subdivisões encontram-se pequenos espaços utilizados como quartos privados. Várias das casas-pátio incluem ainda terraços e varandas neste primeiro nível, permitindo aos moradores usufruirem ao máximo o espaço aberto junto ao pátio.
Características Arquitetônicas
Muxarabi
Acredita-se que o termo Muxarabi, também conhecido como Muxarabiê, deriva da palavra árabe “Sharab” que se traduz como “beber”, devido ao fato de que o Muxarabi se refere a um lugar fresco e sombreado onde se bebe água de uma bica ou jarro de barro. Outros acreditam que o termo se refere a “Mashrafiya”, que se traduz como “um local de observação”, razão pela qual os Muxarabis frequentemente permitiam aos moradores ver a rua sem serem observados. Normalmente, o muxarabi é composto por uma espécie de tela perfurada construída em madeira, argila ou até pedra, um elemento capaz de filtrar a luz do sol, barrando o calor excessivo mas sem abrir mão da ventilação permanente, criando ainda um espaço privativo porém sem ser escuro demais.
Janelas
As casas tradicionais com pátio possuem dois tipos de janelas: externas e internas. Como afirmado anteriormente, as fachadas externas raramente são ornamentadas para evitar chamar a atenção dos vizinhos, razão pela qual as janelas externas são simples, pequenas e localizadas quase sempre apenas no primeiro pavimento. Por outro lado, as janelas interiores são maiores em escala e altamente decoradas com elementos vazados ou persianas móveis de madeira.
Móveis Embutidos
Os gabinetes, ou espaços de armazenagem, encontram-se muitas vezes embutidos nas paredes das casas-pátio. Armários abertos são “esculpidos” e ricamente ornamentados, enquanto armários fechados são utilizados para armazenar louças e outros itens de necessidade básica.
Forro
Os forros raramente passam desapercebidos em uma casa-pátio tradicional. Freqüentemente, foros estão compostos por painéis de madeira altamente decorados com motivos simétricos folheados a ouro e detalhes florais ou geométricos pintados à mão. Os mesmos motivos são utilizados na decoração das portas, persianas, pisos e papeis de parede.
Materiais
Historicamente, a forma como essas casas foram construídas e a sua consequente aparência dependiam dos materiais disponíveis no local. A maioria das casas-pátio, especialmente na Síria, foram construídas em estrutura de pedra segundo o Al-Ablaq. Ablaq é um sistema construtivo excessivamente utilizado na Síria até os dias de hoje, o qual é definido pela alteração de fileiras de pedras claras e escuras na fachada. Outros materiais tradicionais incluem a madeira e o mármore.
A Casa Pátio na Arquitetura Contemporânea
A tipologia arquitetônica da casa-pátio e suas características ímpares é algo que transcende culturas e gerações e hoje, talvez mais do que nunca, continua muito relevante na prática da arquitetura contemporânea. À medida que nossas cidades continuam a crescer, a tipologia da casa-pátio proporcionam muitas vantagens, como a iluminação e ventilação natural abundante além de contato direto com o exterior e a natureza.
Fontes: